segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CHUVAS DE AGOSTO (Por Clóvis Campelo-Recife/PE.)




CHUVAS DE AGOSTO

Clóvis Campêlo 

Para nós, recifenses, inverno é sempre sinônimo de chuva. E o Recife, cidade já tão privilegiada no seu convívio com as águas, torna-se ainda mais úmida. Particularmente, nunca gostei desse tempo de chuva, embora o saiba necessário. É tudo frio e úmido ao deitar e tudo frio e úmido ao levantar. 
Há quem diga que nós, recifenses, na realidade, não sabemos o que seja o frio. Podem ter razão. Mas, para nós, acostumados a uma temperatura média de 26º graus, tudo o que não seja calor será frio. E o frio é a negação do azul intenso da qual a cidade se reveste no verão. É a negação dos nossos verdes mares e da nossa morenidade curtida sob o sol da alta estação. Sob a chuva, no inverno, o Recife perde as suas cores e a sua alegria. Torna-se cinzenta, plúmbea, depressiva. 
E eu, que nunca me deixei seduzir pelo sentimento do mundo e me sinto como um coqueiro encravado nas areias mornas da cidade, necessito do sol, do sal, do azul do céu para oxigenar as células e elaborar a fotossíntese da vida. O inverno chuvoso do Recife me deprime. 
No calendário da minha infância, vivida na praia do Pina, agosto sempre foi o mês do ventos. Era em agosto que a chuvas começavam a declinar, levadas pelos ventos intensos do mês. Era o período de empinar papagaios e pipas nas areias ainda úmidas da praia, aguardando a chegada do verão em setembro. Naquele tempo, agosto era o mês da transição, que ainda sofria com o desbotamento invernoso. Agosto ia se colorindo aos poucos. 
E quando setembro chegava, retornavam a alegria, todas as cores, todas as vozes, todos os movimentos. Restaurava-se definitivamente o verão, o calor. Setembro nos trazia a praia e a vida de volta. 
Hoje, agosto ainda é chuva e falta de cores. Dizem que isso se deve ao aquecimento das águas do Oceano Atlântico, ao fenômeno do El Niño. Podem ter razão. Afinal, tudo muda ao longo do tempo e que sou eu para duvidar da sabedoria dos homens da ciência. 
Dou-me ao direito, porém, como criança que fui, de discordar desse menino levado que teima em jogar para os céus as águas salgadas do oceano e fazer com que as chuvas se prolonguem além do necessário.
Não sabe ele que setembro se aproxima e que nós, recifenses, ansiamos pelo retorno do verão com a sua alegria, suas cores, vozes, movimentos? 
Não sabe que ele que precisamos do sol, do sal e do azul do céu para elaborarmos a fotossíntese da vida? 
Que venha setembro, restaurando a rotina do verão e trazendo o sol de volta! 
O povo tropical do Recife agradece! 

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Postado por Clóvis Campêlo no Geleia General em 8/20/2012 06:07:00 AM

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

JULIÃO por Clóvis Campelo-Recife/PE.



 


Fotos: Clóvis Campêlo/1992

FRANCISCO JULIÃO

Clóvis Campêlo

"Operário sem pão / camponês sem terra / panela vazia / tambor de revolução. / Viva a reforma agrária radical / com Francisco Julião."

Estes são versos de uma antiga canção lembrada pelo povo do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, cidade pernambucana que se tornou símbolo da luta pela terra no Brasil.
Mas, afinal, em poucas palavras, quem foi esse homem que nasceu em 1915, na cidade de Bom Jardim, no Agreste pernambucano, transitou com desenvoltura pelos engenhos e usinas úmidos da Zona da Mata do Estado e foi morrer, em 1999, na pequena cidade de Cuernavaca, no México?
Julião nasceu numa tradicional família de proprietários de terra. Estudou na Faculdade de Direito do Recife, graduando-se em 1939. Foi professor, diretor de colégio e escreveu um livro, Cachaça, antes de se eleger deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1954. Neste mesmo ano, atendendo a um convite dos camponeses do Engenho Galiléia, tornou-se advogado das Ligas Camponesas, ajudando o movimento a se ampliar e se consolidar, segundo ele, sempre dentro da lei e da ordem.
Em 1962, após dois mandatos como deputado estadual pelo PSB, foi eleito deputado federal pelo mesmo partido. Em 1964, com o golpe militar e a instalação da ditadura no país, foi cassado, indo se asilar no México, onde ficou até 1979.
Com a anistia política, voltou ao Brasil e se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) do amigo Leonel Bizola. Em 1988, ainda tentou ser eleito deputado federal pelo PDT, sendo derrotado. Em 1997, retornou mais uma vez ao México com a intenção de escrever suas memórias. Morreu de enfarte, em Cuernavaca, no dia 10 de julho de 1999.
Segundo Julião, a primeira Liga foi a do Engenho Galiléia, fundada em 1º de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco.
Ainda segundo ele, o nascimento da Liga coincidiu com a chegada de Juscelino Kubitschec ao poder, com suas propostas desenvolvimentista criando uma euforia na burguesia nacional para quebrar os latifúndios e criar indústrias de transformação, o que favoreceu ao movimento pela reforma agrária.
Ironicamente, as Ligas começaram a perder força a partir de 1962, depois que presidente João Goulart decretou a sindicalização rural, até então inexistente no Brasil, no I Congresso Camponês de Minas Gerais.
Foi esse homem fantástico, que conviveu lado a lado com os grandes protagonistas da história mundial no século XX, como Fidel Castro e Che Guevara, e que chegou a causar preocupações ao homem mais poderoso do planeta na época, o presidente americano John Kenedy, que tive a honra de fotografar em 1992, no apartamento de um dos seus filhos, no bairro de Santo Amaro, no Recife, para o projeto "Escritores Pernambucanos Contemporâneos", do Grupo 3.
Ao meu lado, estava o escritor José Rodrigues Correia Filho, que fez a entrevista enquanto eu fotografava Julião.
Um homem simples, cordial, discreto e atencioso, com uma certa expressão de cansaço nos olhos, mas sempre com um sorriso franco nos lábios.
Como escritor, além de "Cachaça", seu primeiro livro editado em 1951, Francisco Julião escreveu "Irmão Juazeiro", em 1961; "O Que São As Ligas Camponesas", em 1962; "Até Quarta, Isabela", em 1965; "Cambão, a Cara Oculta do Brasil", em 1968, e "Escuta, Camponês".
Durante o tempo em que esteve preso, foi companheiro de cela de Miguel Arraes, na Fortaleza de Laje, no Rio de Janeiro, e juntos traduziram o livro "A Politização das Massas Através da Propaganda Política", do russo Sergei Tchakotine.

Recife, 2008

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Postado por Clóvis Campêlo no Geleia General em 8/15/2012 12:47:00 PM