sexta-feira, 22 de junho de 2012




VERGONHA É QUE NÃO TENHO DE SER NORDESTINA 
                                                                  
Por Sheila Raposo - Jornalista

Cultivado entre os cascalhos do chão seco e as cercas de aveloz que se perdem no horizonte, cresceu, forte e robusto, o meu orgulho de pertencer a esse pedaço de terra chamado Nordeste.
Sou nordestina. Nasci e me criei no coração do Cariri paraibano, correndo de boi brabo, brincando com boneca de pano, comendo goiaba do pé e despertando com o primeiro canto do galo para, ainda com os olhos tapados de remela, desabar pro curral e esperar pacientemente, o vaqueiro encher o meu copo de leite, morninho e espumante, direto das tetas da vaca para o meu bucho.
Sou nordestina. Falo oxente, vôte e danou-se. Vige, credo, Jesus-Maria e José! Proseio com minha língua ligeira, que engole silabas e atropela a ortoépia das palavras. O meu falar é o mais fiel retrato. Os amigos acham até engraçado e dizem sempre que eu “saí do mato, mas o mato não saiu de mim”. Não saiu mesmo! E olhe: acho que não vai sair é nunca!
Sou nordestina. Lambo os beiços quando me deparo com uma mesa farta, atarracada de comida. Pirão, arroz-de-festa, galinha de capoeira, feijão de arranca com toucinho, buchada, carne de sol... E mais uma ruma de comida boa, daquela que, quando a gente termina de engolir, o suor já está pingando pelos quatro cantos. E depois ainda me sirvo de um bom pedaço de rapadura ou uma cumbuca de doce de mamão, que é pra adoçar a língua. E no outro dia, de manhãzinha, me esbaldo na coalhada, no cuscuz, na tapioca, no queijo de coalho, no bolo de mandioca, na tigela de umbuzada, na orêa de pau com café torrado em casa!
Sou nordestina. Choro quando escuto a voz de Luiz Gonzaga ecoar no teatro de minhas memórias. De suas músicas guardo as mais belas recordações. As paisagens, os bichos, os personagens, a fé e a indignação com que ele costurava as suas cantigas e que também são minhas. Também estavam (e estão) presentes em todos os meus momentos, pois foi em sua obra que se firmou a minha identidade cultural. 
Sou nordestina. Me emociono quando assisto a uma procissão e observo aqueles rostos sofridos, curtidos de sol do meu povo. Tudo é belo neste ritual. A ladainha, o cheiro de incenso. Os pés descalços, o véu sobre a cabeça, o terço entre os dedos. O som dos sinos repicando na torre da igreja. A grandeza de uma fé que não se abala. 
Sou nordestina. Gosto de me lascar numa farra boa, ao som do xote ou do baião. Sacolejo e me pergunto: pra quê mais instrumento nesse grupo além da sanfona, do triangulo e da zabumba? No máximo, um pandeiro ou uma rabeca. Mas dançar ao som desse trio é bom demais. E fico nesse rela-bucho até o dia amanhecer, sem ver o tempo passar e tampouco sentir os quartos se arriando, as canelas se tremelicando, o espinhaço se quebrando e os pés se queimando em brasa. Ô negócio bom! 
Sou nordestina. Admiro e me emociono com a minha arte, com o improviso do poeta popular, com a beleza da banda de pífanos, com o colorido do pastoril, com a pegada forte do côco-de-roda, com a alegria da quadrilha junina. O artista nordestino é um herói, e nos cordéis do tempo se registra a sua história. 
Sou nordestina. E não existe música mais bonita para meus ouvidos do que a tocada por São Pedro, quando ele se invoca e mete a mãozona nas zabumbas lá do céu, fazendo uma trovoada bonita que se alastra pelo Sertão, clareando o mundo e inundando de esperança o coração do matuto. A chuva é bendita. 
Sou nordestina. Sou apaixonada pela minha terra, pela minha cultura, pelos meus costumes, pela minha arte, pela minha gente. Só não sou apaixonada por uma pequena parcela dessa mesma gente que se enche de poderes e promete resolver os problemas de seu povo, mentindo, enganando, ludibriando, apostando no analfabetismo de quem lhe pôs no poder, tirando proveito da seca e da miséria para continuar enchendo os próprios bolsos de dinheiro. 
Mas, apesar de tudo, eu ainda sou nordestina, e tenho orgulho disso. Não me envergonho da minha história, não disfarço o meu sotaque, não escondo as minhas origens. Eu sou tudo o que escrevi, sou a dor e a alegria dessa terra. E tenho pena, muita pena, dos tantos nordestinos que vejo por aí, imitando chiados e fechando vogais, envergonhados de sua nordestinidade. Para eles, ofereço estas linhas. 
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quarta-feira, 20 de junho de 2012

O FORTE (Pau Amarelo-PE)





Fotos: Clóvis Campêlo/1990

O FORTE DO PAU AMARELO

Clóvis Campêlo

Nos anos 80, quando morava em Olinda e meus filhos eram pequenos, costumava ir com a família fazer pic-nic na praia de Pau Amarelo, ao lado do Forte. Na época, era um lugar aprazível, sem construções clandestinas. Escolhíamos uma árvore qualquer, na beira da praia, estendíamos a toalha e fazíamos a festa. As crianças adoravam aqueles momentos de lazer puro e barato. Uma verdadeira curtição.
Muitos antes de nós, porém, no dia 14 de fevereiro de 1630, segundo os historiadores, ali chegaram os holandeses da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais. Sob o comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, ancoraram naquele local, no litoral norte de Pernambuco, com um contigente de 7.280 homens e 65 embarcações. Não vieram em busca de lazer barato, mas sim atrás dos lucros do açúcar aqui produzido. Com essa intenção, marcharam por terra e conquistaram Olinda e o Recife. Mas, essa história, todos nós já sabemos.
Embora os holandeses invasores tivessem entrado em Pernambuco pelo local, só 73 anos depois, em 15 de setembro de 1703, é que foi emitida uma Carta Régia ordenando a construção de um forte que servisse de defesa e oferecesse resistência a outras invasões.
O projeto ficou a cargo do engenheiro Luís Francisco Pimentel. A planta do prédio a ser construído foi por ele desenhada em aquarela e hoje se encontra arquivada no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, Portugal. Em 1707, porém, o infeliz engenheiro morria afogado nas águas do Rio Doce. A fatalidade retardou o início da construção que só se iniciaria em 1719. A conclusão do Forte de Nossa senhora dos Prazeres de Pau Amarelo, seu nome oficial, só aconteceria em 1738.
Segundo a historiadora Semira Adler Vainscher, em texto publicado no sítio da Fundação Joaquim Nabuco, em 1801 a fortaleza já possuia 12 canhões de calibre10 e 40. Em 1817, esse arsenal já havia evoluído para 3 peças de bronze, 24 peças de ferro, com uma guarnição de 14 praças e um tenente no comando. Antes, porém, em 1808, quando a sua planta chegou de Lisboa devidamente projetada e calculada, o monumento passou por uma grande reconstrução.
Hoje, apesar de estar situado na cidade do Paulista, o monumento pertence a Prefeitura da Cidade de Olinda, tendo sido tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 24 de maio de 1938, sob o número 84, no Livro das Belas-Artes.
As fotografias acima, retratando detalhes dos Forte em um dos seus vértices, foram feitas por mim, em 1990.
Hoje, passados mais de vinte anos da execução das fotos, sinto a necessidade de voltar ao local para novos registros e outros pic-nics. Dessa feita, levando os meus netos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012



O bairro do Recife Antigo

Foto: Clóvis Campêlo/2008
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O BAIRRO DO RECIFE ANTIGO

Clóvis Campêlo
O bairro do Recife, hoje chamado de Recife Antigo, teve origem no século XVI, numa faixa arenosa e estéril que ligava o porto natural ao istmo de Olinda, espremido entre o mar e os rios Capibaribe e Beberibe. O povoado do Recife viria a ser consolidado menos de um século depois, abrigando umas poucas casas de pescadores e portuários e armazéns para estocar mercadorias comercializadas entre os engenhos e a metrópole.
Na época, o porto chegou a ser considerado como o maior das Américas, recebendo toda a sua carga através de batéis que singravam os rios e canais trazendo a produção dos engenhos de cana-de-açúcar.
Foi no Recife Antigo que os holandeses se instalaram em 1637. A Rua do Bom Jesus, que testemunhou o esplendor do progresso urbano (1630-1654), foi o local escolhido pelos judeus para instalar a sua comunidade atuando no comércio ultramarino, sendo, por isso, chamada de Rua dos Judeus e Rua do Bode.Em 1636, foi nela erguida a sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel (Pedra de Israel), a primeira das Américas, que se localizava nos prédios de nº 197 e 203, e que funcionou até 1654, onde recentemente foram descobertos o muro de contenção das marés e a micveh, poço onde aconteciam os banhos rituais dos judeus.
Após a saída de Maurício de Nassau do Recife, os judeus foram perseguidos e os padres da Congregação Santo Antônio herdaram os prédios. A rua mudou de nome, passando a ser chamada de Rua da Cruz e depois Rua do Bom Jesus, devido a capela construída nas imediações.
Com a expulsão dos holandeses, os portugueses continuaram a evolução urbana do bairro, permitindo a construção de várias obras como a Igreja e o Convento da Madre de Deus dos padres da Congregação de São Felipe Neri (1680-1707), da Igreja do Pilar (1160-1686) e do Forte do Matos (1684), assim como de diversas ruas.
Em 1710, ocorreu no local a Guerra dos Mascates.Em 1881, foi construída a Estação Ferroviária do Brum, ligando o Recife à cidade do Limoeiro.
Em 1885, foram concluídos o Teatro Apolo e a Torre do Observatório, chamada de Torre Malakoff em homenagem à torre homônima existente em Sebastopol, importante referêrencia na Guerra da Criméia (1854-55), episódio contemporâneo à sua construção.
No início do século XX, o bairro sofreu uma grande reforma, recebendo um traçado urbanístico tipicamente francês, influêrncia do arquiteto Louis Léger Vauthier, e perdendo importantes monumentos do início da colonização portuguesa e da passagem dos holandeses.
Entre 1907 e 1918, sofreu profundas intervenções com a construção do cais e armazéns do porto, do casario de arquitetura francesa e das avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda. Por conta da reforma, foram demolidos o prédio da Associação Comercial e o edifício da Praticagem da Barra (1911).
Em 1912, foi demolida a Capela da Conceição dos Canoeiros, construída em 1851. Em 1913, foi demolido o Arco da Conceição, inaugurado em 1740, e a Matriz do Corpo Santo, edificada no século XVI. Em 1914, foi demolido o prédio da Companhia Pernambucana de Navegação.
O bairro tem 110 hectares, com 44 ruas, além dos becos e avenidas, e é considerado como Zona Especial de Preservação (ZEP), contando com 328 imóveis ao longo de sua extensão.